1 – NOTAS INTRODUTÓRIAS

Já de início, fixa-se a seguinte assertiva (em tom desafiador): se o jurista desconhece o acórdão do incidente de assunção de competência nº 1 do Superior Tribunal de Justiça (Tema IAC 1 – EREsp nº 1604412/SC), pode-se concluir que ele desconhece a vigente aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução civil.

Essa asserção se mostra concreta, porque – desde o julgamento do IAC 1 – o STJ já tem harmonizado seu posicionamento, em relação às teses firmadas no IAC 1, muito embora o referido acórdão ainda não tenha transitado em julgado até a data de confecção deste artigo (03/04/2020). 

Tome-se, por exemplo, os recursos EDcl no AgInt no REsp 1832646/PR da Quarta Turma e o AgInt no REsp 1760497/SP da Terceira Turma, os quais foram publicados, respectivamente – aos 19/03/2020 e 13/03/2020 – seguindo as teses do IAC 1.

Essa harmonização de entendimento decorre do artigo 947, § 3º do Novo Código de Processo Civil (NCPC), o qual estabelece que “o acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese”. 

O artigo 271-G do Regimento Interno do STJ (RISTJ), nessa linha, também fixa que “o acórdão proferido, em assunção de competência, pela Corte Especial vinculará todos os órgãos do Tribunal e, pela Seção, vinculará as Turmas e Ministros que a compõem, exceto se houver revisão de tese”. 

Considerando que o IAC 1 foi julgado pela Segunda Seção do STJ, a Terceira e a Quarta Turma estão vinculadas, pois essas a compõem, conforme artigo 2º, § 4º do RISTJ, o que é, demasiadamente, essencial para compreender a relevância de tal julgamento, pois tais Turmas são as únicas competentes para tratar de matérias de direito privado (tal como a prescrição de títulos de crédito).

Para se atingir o adequado nível de compreensão sobre o tema, faz-se essencial, preliminarmente, explicar as definições dos conceitos de prescrição e do incidente de assunção de competência.

 

2 – DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE PRESCRIÇÃO

Em matéria de direito privado, a definição da prescrição está prevista no artigo 189 do Código Civil (CC), o qual determina que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

Analisando os artigos 205 e 206 do CC, verifica-se que há várias pretensões correlacionadas a prazos que, se consumados, desencadeiam a ocorrência da prescrição.

É seguro afirmar, com isso, que a prescrição representa a perda do direito de se exigir de outrem uma determinada pretensão, em razão de decurso do prazo previsto nos artigos 205 e 206 do CC, estando ressalvado que, no caso dos títulos de crédito, prevalece o prazo fixado em lei especial, consoante o artigo 206, § 3º, VII do referido diploma legal.

É importante traçar essa definição, ainda que brevemente, pois, como se verá adiante, a prescrição intercorrente tem a mesma natureza da prescrição. 

 

3 – DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA

O incidente de assunção de competência (IAC) foi inaugurado no artigo 947 do NCPC, o qual determina que sua admissão está condicionada à necessidade de se ter i) “um julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária” que ii) “envolver relevante questão de direito, com grande repercussão”, sendo desnecessária a multiplicidade de processos.

Conforme mencionado alhures, o § 3º do dispositivo legal abordado acima garante que o acórdão desse incidente vincule todos os juízes e órgãos fracionários.

É incontestável a força legal que o acórdão do IAC possui, pois o entendimento nele veiculado também pode ensejar i) a improcedência liminar do pedido (artigo 332, III do NCPC); ii) a desnecessidade da remessa necessária (artigo 496, § 4º, III do NCPC); iii) a obrigatoriedade de ser observado, em relação a todos os juízes e tribunais (artigo 927, III do NCPC) e, por fim, iv) que o relator, no âmbito dos tribunais, negue ou dê provimento a recurso (artigo 932, IV, “c” e V, “c”).

Constata-se, com isso, que o IAC é um importante instrumento de uniformização jurisprudencial, o qual atende ao preceito do artigo 926 do NCPC, no sentido de que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Mas, afinal, qual o cenário atual da prescrição intercorrente em processos de execução civil?

Analisa-se, a seguir, cada uma das teses que foram fixadas no IAC 1.

 

4 –  TESES DO IAC Nº 1

Para fins de melhor compreensão do tema, decidiu-se fazer, nas linhas e tópicos seguintes, a aplicação das teses do IAC 1 e de todos enunciados jurídicos pertinentes, por exemplo, à análise de prescrição intercorrente de um processo de execução de nota promissória.

4.1 – Quarta tese

Inicia-se pela quarta tese, exclusivamente, para fins de melhorar a didática do conteúdo.

Pois bem.

Talvez o ponto mais impactante na mudança de entendimento do STJ seja a possibilidade de se decretar a prescrição intercorrente, sem a necessidade de se intimar, pessoal e previamente, a parte exequente, a fim de ela dar andamento ao feito!

Estabeleceu-se, como a quarta tese do IAC nº 1, que deve, sim, haver a intimação prévia da parte exequente, mas no sentido de essa se defender da ocorrência da prescrição intercorrente, apresentando fatos impeditivos, interruptivos ou suspensivos da prescrição. Vale transcrever esta quarta tese fixada:

1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição.

Um argumento contundente delineado no IAC 1 para respaldar essa mudança de posicionamento, foi que a conduta de se condicionar a decretação da prescrição intercorrente ao ato de, previamente, intimar a parte para dar andamento, configura uma equiparação da prescrição intercorrente ao instituto do abandono de causa.

Essa correlação, no entanto, se mostra inadequada, pois ambos institutos possuem causas diferentes, bem como efeitos diversos: a prescrição decorre dos artigos 189 e seguintes do Código Civil e faz coisa julgada material, já o abandono de causa decorre do artigo 267, § 1º do CPC/73 (atual 485, § 1º do NCPC) e faz coisa julgada formal.

 

4.2 – Primeira e segunda tese

Vale fixar que o prazo da prescrição intercorrente é idêntico ao prazo de prescrição da ação manejada, conforme já pacificado pela Súmula nº 150 do STF, portanto, o prazo da prescrição intercorrente, no caso de nota promissória, é de 3 (três) anos, conforme determinado pelos artigos 70 e 77 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 57.663/66).

A vigência do NCPC, iniciada aos 18/03/2016, inseriu no ordenamento jurídico algumas disposições que regulamentam, expressamente, a ocorrência de prescrição intercorrente em processo de execução civil, quais sejam, os artigos 924, V; 921, §§ 1º, 4º e 5º e 1.056.

Foram estes dispositivos legais, dentre outros argumentos jurídicos, que estimularam a mudança de entendimento do STJ. 

Explica-se, nesse diapasão, a primeira e a segunda tese fixadas no IAC 1, as quais seguem transcritas: 

1.1 – Incide a prescrição intercorrente, nas causas regidas pelo CPC/73, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil de 2002.

1.2 O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/1980).

Valendo-se dos enunciados acima, bem como de fundamentos delineados no inteiro teor do IAC 1, confere-se que a prescrição intercorrente se aplicaria, caso o processo de execução de nota promissória tivesse iniciado, por exemplo, em 2005 (durante a vigência do CPC/73), bem como se ocorresse a inércia da parte exequente por tempo superior ao da prescrição do direito material vindicado, tal como preleciona a Súmula 150 do STF.

Depreende-se, também, que a contagem da prescrição intercorrente se iniciaria após o decurso do prazo de suspensão do processo – a qual tenha sido decretada num cenário de ausência de bens penhoráveis – contando-se o período descrito na decisão de suspensão ou, na falta desse prazo específico, o período de 1 (um) ano.

Com a primeira, segunda e quarta teses, pode-se afirmar que haveria a prescrição intercorrente, caso a execução de nota promissória, por exemplo, i) tenha iniciado em 20/01/2005; ii) tenha havido uma decisão de suspensão ante a ausência de bens, com ou sem prazo fixo, publicada em 15/06/2006; iii) tenha transcorrido 1 (um) ano ou o prazo fixado, desde 15/06/2006, chegando a 15/06/2007 (no caso de 1 ano de suspensão); iv) momento em que, transcorridos mais 03 (três) anos, a prescrição se consumaria em 15/06/2010, v) devendo, a partir de então, intimar a parte exequente para ela se manifestar sobre a prescrição intercorrente, antes de essa ser decretada nos autos.

 

4.3 – Terceira tese

Questiona-se, ademais, como se aplicaria a prescrição intercorrente, caso o prazo de suspensão tenha iniciado durante a vigência do CPC/73, mas finalizado durante a vigência do NCPC?

Para responder essa questão, utiliza-se a terceira tese fixada no IAC 1, em conjunto do artigo 1.056 do NCPC, o qual preleciona que “considerar-se-á como termo inicial do prazo da prescrição prevista no art. 924, inciso V, inclusive para as execuções em curso, a data de vigência deste Código”. Vale transcrever o teor da terceira tese:

1.3 O termo inicial do art. 1.056 do CPC/2015 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/1973 (aplicação irretroativa da norma processual).

Utilizando-se os fundamentos acima, forma-se o entendimento de que – caso a prescrição intercorrente não tenha ainda se consumado e o processo esteja suspenso – ao se ingressar no período de vigência do NCPC, é preciso contar 1 (um) ano, desde a data de vigência do NCPC (18/03/2016), para que, somente depois, se inicie a contagem do prazo da prescrição intercorrente.

Trazendo esse raciocínio para o caso concreto aqui proposto, caso a suspensão dos autos tenha sido decretada em 18/01/2016, ao chegar no dia 18/03/2016, essa suspensão (não o prazo prescricional) se “interromperia”/”reiniciaria” e findaria apenas em 18/03/2017, momento em que se iniciaria a contagem da prescrição intercorrente que, no caso da nota promissória, prescreveria aos 18/03/2020.

Pondera-se, por fim, que a decretação da prescrição intercorrente pode ser feita de ofício, tal como consignado na tese 4 do IAC 1, bem como no artigo 921, § 5º do NCPC.

 

5 – NOTAS CONCLUSIVAS

É notório que o IAC 1 contribuiu para estabilizar as decisões judiciais, a respeito da decretação de prescrição intercorrente no processo de execução civil, ainda assim, sabe-se que ele não exauriu a matéria.

Pode-se ainda indagar, por exemplo, se, na vigência do NCPC, a decretação da suspensão da execução depende de decisão judicial ou se ela se inicia, automaticamente, quando se verificar nos autos que o executado não possui bens penhoráveis.

Inspira-se essa premissa, a partir da seguinte tese que foi fixada no Tema Repetitivo nº 566 (REsp 1340553/RS), in verbis:

4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução. (destaques nossos)

A análise do artigo 921, § 1º do NCPC permite chegar a uma conclusão semelhante a esta transcrita acima, pois tal dispositivo legal dispõe que “o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano”, logo, verifica-se que a suspensão não se trata de uma faculdade, mas sim de um comando legal, cabendo ao juiz o poder-dever de apenas declarar sua concretização.

O tema, obviamente, merece análise mais aprofundada, ainda assim, cabe debatê-lo com afinco, a fim de se promover – cada vez mais – os princípios da segurança jurídica e da pacificação das relações sociais, ora inerentes ao instituto da prescrição, os quais, aliás, também nortearam o julgamento do IAC 1.

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Escrito por Marcelo Ribeiro Alves, advogado, atuante na área de Direito Tributário no escritório José Humberto Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários do Estado de Goiás (IBET/GO). Especializando em Direito Processual Civil pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie do Estado de São Paulo. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO. Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Processo Civil. Seu e-mail para contato é ralvesjur@gmail.com. Está no Instagram como @advmarceloribeiro e no Linkedin como Marcelo Ribeiro Alves.